Ficha Técnica de Habitação (FTH): O Guia Completo para o Mercado Imobiliário Português
Compreenda a sua importância, obrigatoriedade, o seu legado e a transição para o Livro de Obra Eletrónico.
A Transparência no Imobiliário e o Papel da FTH
A compra de um imóvel em Portugal é um processo complexo. Envolve múltiplas decisões com repercussões orçamentais e de longo prazo para os consumidores. Historicamente, a assimetria de informação entre vendedores e compradores dificultava significativamente a tomada de decisões e a proteção dos interesses económicos dos adquirentes. Neste contexto, a Ficha Técnica de Habitação (FTH) surgiu como um pilar fundamental para promover a transparência no mercado imobiliário português.
Concebemos este documento para mitigar a falta de informação detalhada e padronizada sobre as características técnicas e funcionais dos imóveis. A sua criação refletiu uma mudança legislativa e social mais ampla, que buscava maior proteção do consumidor em transações de elevado valor. Reconhecíamos que a compra de habitação era um investimento crucial para indivíduos e famílias.
Embora o regime da FTH tenha sido extinto para novas construções e obras após 2017, substituindo-a pelo Livro de Obra Eletrônico, a sua relevância persiste. Para um vasto conjunto de imóveis construídos ou significativamente alterados entre 2004 e 2017, a FTH continua a ser um documento crucial. É importante notar que, apesar da sua extinção formal em 2017, a sua efetiva dispensa e substituição plena no mercado apenas se consolidaram com as alterações legislativas de 2024 (Simplex Urbanístico). Assim, a sua exigência prática manteve-se em muitos contextos durante essa janela temporal.
Este artigo propõe-se a explorar a Ficha Técnica de Habitação desde a sua origem e propósito, passando pela sua obrigatoriedade e implicações legais, até à sua transição para o Livro de Obra Eletrônico. O objetivo é oferecer um guia completo para todos os intervenientes no mercado imobiliário português.
O Que É a Ficha Técnica de Habitação (FTH)?
Definição e Propósito Legal
A Ficha Técnica de Habitação (FTH) é um documento oficial que descreve as características técnicas e funcionais de um prédio urbano para habitação. Os responsáveis elaboram este documento no momento da conclusão das obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração do imóvel.
Ao criarmos a FTH, o principal objetivo era fortalecer os direitos dos consumidores à informação e proteger os seus interesses económicos na compra de imóveis para habitação, além de promover a transparência no mercado. Ao fornecer um registo padronizado e legalmente vinculativo das especificações do imóvel, a FTH capacita os compradores com dados essenciais para fazerem escolhas conscientes. Por fim, também os ajuda a protegerem-se contra possíveis desconformidades ou omissões.
Conteúdo Essencial da FTH
A FTH funciona como uma espécie de “bilhete de identidade” do imóvel, descrevendo de forma abrangente quase tudo o que se pode associar a uma habitação. O nível de detalhe da FTH vai além dos dados básicos da propriedade, aprofundando-se nos materiais de construção, tipos estruturais, características de acessibilidade e até mesmo nas comodidades coletivas circundantes.
Entre os elementos obrigatórios que a FTH inclui, encontramos:
- Dados de identificação do construtor e do técnico responsável pela obra.
- Informações detalhadas sobre o loteamento, o prédio urbano e a fração autónoma ou habitação unifamiliar.
- Especificações sobre os tipos de fundações, estruturas, paredes envolventes, revestimentos de espaços comuns e sistemas de segurança contra intrusão.
- Detalhes sobre as condições de acesso para pessoas com mobilidade condicionada, incluindo alturas de ressaltos, inclinação de rampas e dimensões de portas e ascensores.
- Dados quantitativos como o número de edifícios, fogos, lugares de estacionamento e equipamentos coletivos existentes ou previstos (como jardins públicos, parques, piscinas ou campos de jogos).
- A identificação das entidades encarregadas da promoção, gestão e manutenção dos equipamentos coletivos mencionados.
- Plantas de síntese do loteamento.
Este nível de detalhe reflete uma intenção legislativa de criar um perfil completo e rigoroso da propriedade no momento da sua conclusão. Ao fornecer um registo tão exaustivo, a FTH visava prevenir futuras disputas decorrentes de defeitos não divulgados ou discrepâncias, estabelecendo uma base clara para a condição do imóvel. Este documento, na sua conceção original, era uma ferramenta poderosa para a capacitação do consumidor, permitindo-lhe verificar as declarações dos vendedores ou promotores em relação a um documento padronizado e legalmente vinculativo. O modelo oficial da FTH foi aprovado pela Portaria n.º 817/2004, de 16 de julho, e disponibilizado em formato digital por entidades como o IMPIC, I.P., a Direção-Geral do Consumidor e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
O Enquadramento Legal: Da Criação à Evolução
A Ficha Técnica de Habitação não surgiu de forma isolada, mas sim como parte de um quadro legal mais vasto, desenhado para regular o mercado imobiliário e proteger os consumidores. A sua existência e evolução estão intrinsecamente ligadas a dois diplomas fundamentais da legislação portuguesa.
Decreto-Lei n.º 68/2004: A Base Legal
A FTH foi formalmente estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de março. Este diploma legal marcou um ponto de viragem na regulamentação da aquisição de imóveis para habitação em Portugal. O seu propósito primordial era claro: reforçar os direitos dos consumidores à informação e à proteção dos seus interesses económicos, ao mesmo tempo que promovia uma maior transparência no mercado.
O Decreto-Lei n.º 68/2004 impôs a obrigação de elaboração e disponibilização da FTH ao promotor imobiliário, que é a entidade responsável por decidir, impulsionar, programar, dirigir e financiar as obras de construção ou reconstrução de prédios urbanos destinados à habitação. Esta legislação visava assegurar que os adquirentes tivessem acesso a um documento descritivo das principais características técnicas e funcionais do imóvel no momento da conclusão das obras.
Portaria n.º 817/2004: O Modelo Oficial
Complementando o Decreto-Lei n.º 68/2004, a Portaria n.º 817/2004, de 16 de julho, foi publicada com o objetivo de aprovar o modelo oficial da Ficha Técnica de Habitação. Esta portaria detalhou o conteúdo obrigatório da FTH e as características formais do documento. Explicitamente, determinava que a FTH não poderia ser manuscrita em todo o seu teor, devendo ser elaborada de acordo com o modelo aprovado e disponibilizada em suporte digital por entidades como o Instituto do Consumidor, o IMPIC e o LNEC. A exigência de assinaturas do promotor imobiliário e do técnico responsável pela obra também foi definida por esta portaria, visando garantir a conformidade da informação.
Embora esta estrutura legal fosse bem-intencionada na promoção da transparência, a sua natureza altamente prescritiva, com requisitos rigorosos de formato e conteúdo, pode ter gerado desafios burocráticos. A complexidade e a extensão da informação exigida na FTH, embora detalhadas, por vezes dificultavam a sua efetiva compreensão e utilização plena pelos consumidores, o que viria a ser um fator na sua posterior reavaliação e substituição.
Legislação Fundamental da Ficha Técnica de Habitação
| Diploma Legal | Data | Propósito Principal |
| Decreto-Lei n.º 68/2004 | 25 de Março de 2004 | Estabelecer a FTH para reforçar direitos do consumidor e transparência na aquisição de imóveis. |
| Portaria n.º 817/2004 | 16 de Julho de 2004 | Aprovar o modelo oficial e o conteúdo detalhado da FTH. |

Obrigatoriedade e Exceções: Quando a FTH é Exigida?
A aplicação da Ficha Técnica de Habitação não era universal, sendo definida por critérios temporais e de intervenção no imóvel. Compreender a sua obrigatoriedade e as exceções é fundamental para qualquer transação imobiliária em Portugal.
Imóveis Abrangidos
A FTH tornou-se obrigatória para todos os prédios urbanos destinados a habitação que foram construídos, reconstruídos, ampliados ou alterados após 30 de março de 2004. Esta data corresponde à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 68/2004, o diploma que instituiu a FTH. Portanto, qualquer imóvel que tenha sido objeto de uma destas intervenções a partir desse marco temporal deveria possuir a FTH.
Casos de Isenção
Apesar da regra geral, existiam exceções claras à obrigatoriedade da FTH, que visavam acomodar a realidade do parque habitacional existente em Portugal. A FTH não era exigida nos seguintes casos:
- Prédios construídos antes da entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU): Este regulamento foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de agosto de 1951. Imóveis edificados antes desta data estão, por definição, isentos da FTH.
- Prédios construídos após a data do RGEU, mas com licença de utilização anterior a 30 de março de 2004: Se, à data de 30 de março de 2004, o imóvel já tivesse obtido a licença de utilização ou tivesse requerido a sua emissão, mesmo que construído após 1951, estava isento da FTH.
Esta “linha de corte” de 30 de março de 2004 estabeleceu uma divisão histórica no mercado imobiliário português. Imóveis construídos ou significativamente alterados antes desta data operam sob regras de divulgação de informação técnica diferentes. Isso significa que, para uma parte considerável do parque habitacional existente, a FTH simplesmente não se aplica, e os compradores devem recorrer a outras formas de diligência devida para obter informações sobre a propriedade. Apesar da sua extinção para novas construções a partir de 5 de junho de 2017, a sua exigência prática em muitas transações e por parte de entidades como os bancos manteve-se até à plena efetivação das medidas do Simplex Urbanístico em 2024 ( Até os dias de hoje o Banco pode e continua a solicita-lá.
Esta situação exige que compradores e vendedores estejam cientes de qual documento é relevante para a sua transação específica, seja a FTH, o Livro de Obra Eletrónico, ou nenhum deles para propriedades muito antigas.

Responsabilidades: Quem Elabora e Garante a Conformidade da FTH?
A elaboração e a garantia de conformidade da Ficha Técnica de Habitação são responsabilidades legalmente atribuídas a intervenientes específicos no processo de construção e comercialização de imóveis, visando assegurar a veracidade da informação disponibilizada.
O Papel do Promotor Imobiliário
A responsabilidade primária pela elaboração da FTH recai sobre o promotor imobiliário. É o promotor quem decide, impulsiona, programa, dirige e financia as obras de construção ou reconstrução de prédios urbanos para habitação. É crucial notar que esta obrigação é do promotor, e não da empresa de construção, caso estas sejam entidades distintas. O promotor imobiliário deve, ainda, conservar uma cópia da FTH por um período mínimo de 10 anos.
A Responsabilidade do Técnico da Obra
Em conjunto com o promotor imobiliário, o técnico responsável pela obra partilha a responsabilidade pela conformidade das informações constantes na FTH com o que foi efetivamente executado. A lei exige as assinaturas de ambos os intervenientes na FTH, o que serve como uma garantia de que a informação transmitida ao comprador corresponde à realidade da obra.
Esta responsabilidade dual atua como um mecanismo de controlo de qualidade e responsabilização. Ao exigir que tanto o promotor (responsável pelo projeto global e comercialização) quanto o técnico (responsável pela execução e certificação dos detalhes construtivos) atestem a veracidade do documento, a legislação procura evitar a deturpação unilateral das características do imóvel. Esta estrutura legal foi concebida para reduzir práticas fraudulentas e proteger os consumidores da aquisição de propriedades com problemas não divulgados, impondo um ónus legal significativo aos principais intervenientes da indústria e incentivando a documentação precisa desde o início.
Responsabilidades na FTH e Livro de Obra Eletrónico
| Interveniente | Responsabilidade (FTH) | Responsabilidade (Livro de Obra Eletrónico – LOE) |
| Promotor Imobiliário | Elaboração da FTH, garantia de conformidade da informação, depósito de exemplar na CM, conservação por 10 anos. | Garante que o LOE é criado e mantido pelo diretor de obra. |
| Técnico Responsável pela Obra (ou Diretor de Obra para LOE) | Garantia de conformidade da informação com o executado, assinatura da FTH. | Responsável por registar todos os factos relevantes no LOE e mantê-lo no local da obra para fiscalização. |
| Notário | Não celebração da escritura sem a FTH (para imóveis abrangidos). | Não exige a apresentação do LOE no ato da escritura (após DL 10/2024). |
Acesso e Disponibilização da FTH: Direitos do Consumidor
O acesso à Ficha Técnica de Habitação é um direito fundamental do consumidor, concebido para assegurar uma decisão de compra informada. A forma como este documento é disponibilizado e as obrigações associadas variam consoante a fase da transação e, mais recentemente, com as alterações legislativas.
Antes da Compra e Venda
Mesmo antes da formalização da compra e venda, o consumidor tem direito a consultar a FTH. O vendedor, a empresa de mediação imobiliária ou qualquer outro profissional encarregado da comercialização do imóvel tem a obrigação de disponibilizar uma cópia da FTH (se já existir) ou da sua versão provisória nos locais de atendimento e venda ao público. Esta medida permite que os interessados obtenham todas as informações desejadas sobre o imóvel, com exceção dos elementos de identificação nominal. É fortemente recomendado que os potenciais compradores exijam e analisem a FTH o mais cedo possível, idealmente antes de assinar um contrato de promessa de compra e venda, para garantir uma segurança jurídica acrescida.
No Ato da Escritura
Tradicionalmente, a FTH desempenhava um papel crítico na celebração da escritura pública de compra e venda. O comprador tinha o direito de exigir a entrega do original da FTH no momento da escritura. A ausência da FTH para imóveis abrangidos pela sua obrigatoriedade implicava a impossibilidade de o notário celebrar a escritura.
No entanto, uma alteração legislativa recente, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro (conhecido como Simplex Urbanístico), dispensou a apresentação da FTH e da licença de utilização no ato da escritura pública de compra e venda.
- Isto não significa que os documentos deixaram de existir ou de ser importantes. Significa apenas que o notário já não é legalmente obrigado a exigir a sua apresentação para celebrar a escritura.
- A responsabilidade de verificar a existência e conformidade destes documentos recai agora de forma mais acentuada sobre o comprador, que deve continuar a solicitá-los e analisá-los antes de assinar qualquer contrato-promessa ou a própria escritura, para garantir a sua segurança jurídica e tomar uma decisão informada.
- Apesar desta dispensa legal para o ato da escritura, é fundamental notar que as instituições financeiras, em particular os bancos que financiam a aquisição de imóveis, frequentemente continuam a exigir a FTH (ou o Livro de Obra Eletrónico, dependendo do caso) como condição para a concessão de crédito habitação.
A razão para esta exigência bancária reside na necessidade de mitigar riscos. Para os bancos, a FTH (ou o LOE) serve como uma garantia adicional da conformidade legal e técnica do imóvel, assegurando que o bem que está a ser financiado possui as características declaradas e não apresenta problemas ocultos que possam desvalorizá-lo ou gerar litígios futuros. É uma ferramenta de due diligence interna que lhes permite avaliar a solidez do investimento e a segurança da garantia hipotecária.
Esta mudança representa uma evolução da obrigatoriedade, passando de uma exigência formal no passo legal final para um processo de diligência devida mais centrado no consumidor e realizado numa fase anterior da transação.
O Depósito na Câmara Municipal
Para além da entrega ao comprador, o promotor imobiliário tinha a obrigação de depositar um exemplar da FTH de cada prédio ou fração na câmara municipal onde decorreu o respetivo processo de licenciamento. Este depósito assegurava que uma cópia oficial do documento estivesse acessível às autoridades e, em caso de necessidade, aos proprietários. A FTH depositada deveria ser substituída sempre que houvesse atualizações. O processo de depósito podia, e em muitos casos ainda pode, ser realizado através dos serviços online das câmaras municipais, preferencialmente com a assinatura digital do técnico responsável e do promotor.
Consequências da Não Conformidade ou Ausência da FTH
A Ficha Técnica de Habitação, enquanto documento legalmente exigido, acarretava sérias implicações em caso de não conformidade ou ausência, com impactos tanto no plano legal quanto na viabilidade das transações imobiliárias.
Implicações Legais e Contraordenações
A inclusão de informações na FTH que não correspondiam às características reais da habitação constituía uma contraordenação. O Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC, I.P.) era a entidade competente para instruir estes processos de contraordenação. As coimas associadas a estas infrações podiam variar significativamente, oscilando entre 1.740 euros e 3.490 euros para pessoas singulares e entre 3.490 euros e 44.890 euros para pessoas coletivas.
Para além das coimas, o técnico responsável pela obra e o promotor imobiliário eram solidariamente responsáveis pelos danos causados ao comprador ou a terceiros caso o teor da FTH não correspondesse à verdade. Esta responsabilidade solidária, contudo, cessava se o imóvel fosse objeto de obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração realizadas por iniciativa do proprietário em momento posterior à emissão original da FTH, e desde que tais obras alterassem as características originais descritas no documento.
Obstáculos à Transação Imobiliária
A ausência da FTH (para os imóveis abrangidos pela sua obrigatoriedade) representava um obstáculo significativo à concretização de negócios. Historicamente, a sua falta podia inviabilizar a celebração da escritura pública de compra e venda pelo notário. Além disso, as instituições bancárias frequentemente recusavam a atribuição de crédito habitação sem a garantia de que a FTH seria entregue ao cliente.
A ausência deste documento também podia levar à desvalorização do imóvel no mercado, uma vez que era percebido como irregular ou com um historial incompleto, gerando desconfiança nos potenciais compradores. O impacto da não conformidade ou ausência da FTH era, portanto, duplo: impunha sanções legais diretas aos responsáveis e criava fricções consideráveis no mercado, dificultando a venda e desvalorizando o bem. Este sistema de consequências demonstrava a eficácia da FTH como ferramenta regulatória, não apenas impondo regras, mas criando barreiras financeiras e transacionais tangíveis para quem não as cumpria, reforçando a importância da proteção do consumidor e da integridade do mercado
Como Obter uma Segunda Via da FTH?
A Ficha Técnica de Habitação é um documento de grande importância para o proprietário do imóvel, que deve conservá-la diligentemente. Contudo, em situações de perda ou destruição do documento original, existem mecanismos para obter uma segunda via, assegurando a continuidade do acesso à informação essencial sobre a propriedade.
Em caso de perda ou destruição, o proprietário pode solicitar uma segunda via da FTH à Câmara Municipal onde o documento original se encontra depositado. O pedido é geralmente formalizado através de um requerimento, que pode ser submetido por diversas vias, incluindo os serviços online das autarquias ou o atendimento presencial. É importante notar que a emissão de uma segunda via da FTH está sujeita ao pagamento de uma taxa, cujo valor é definido pela tabela de taxas e licenças do respetivo município.
Alternativamente, o proprietário também pode contactar o promotor imobiliário original da construção para solicitar uma cópia da FTH, uma vez que este tem a obrigação legal de a conservar por um período mínimo de 10 anos. A existência destes procedimentos para a obtenção de uma segunda via sublinha o princípio da preservação da informação e a continuidade do acesso a dados críticos da propriedade, mesmo após a sua aquisição inicial. A informação contida na FTH mantém o seu valor para proprietários, potenciais compradores e autoridades ao longo da vida útil do imóvel, e a capacidade de obter uma cópia garante que a intenção original de transparência e proteção do consumidor seja mantida para as propriedades abrangidas pelo seu âmbito.
A Extinção da FTH e a Ascensão do Livro de Obra Eletrónico
O panorama da documentação técnica de imóveis em Portugal tem vindo a evoluir, culminando na substituição da Ficha Técnica de Habitação por um novo paradigma: o Livro de Obra Eletrónico.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017: A Mudança de Paradigma
A Ficha Técnica de Habitação foi formalmente extinta pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017, de 5 de junho. Esta decisão, inserida no Programa Simplex+ 2016, visava um objetivo claro: evitar a dispersão de informação e simplificar os processos burocráticos no setor da construção e imobiliário.
A análise governamental revelou que grande parte da informação constante na FTH já se encontrava disponível em outros documentos obrigatórios, como o Livro de Obra e o Certificado Energético. A extinção da FTH e a sua convergência para um novo documento digital foram vistas como um passo essencial para uma maior eficiência e coerência na gestão da informação sobre os imóveis.
O Livro de Obra Eletrônico: Conteúdo e Função Atual
Com a extinção da FTH, criámos o Livro de Obra Eletrônico (LOE) para consolidar as informações que antes estavam dispersas, incluindo os dados da FTH e do Certificado Energético. O LOE é um documento eletrônico que agora está acessível através de um sistema de consulta em entidades públicas.
O Livro de Obra Eletrônico divide-se em duas partes principais. Primeiramente, a primeira parte regista factos e observações sobre a execução da obra e o seu estado de execução. Além disso, a segunda parte detalha as principais características da edificação e as soluções construtivas adotadas. Esta secção, portanto, absorve grande parte da informação que antes constava na FTH, impactando diretamente a qualidade e funcionalidade do edificado.
No entanto, o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro (Simplex Urbanístico), introduziu uma alteração significativa no regime do Livro de Obra. Com esta nova legislação, o Livro de Obra já não serve como elemento instrutório para pedidos ou comunicações. Do mesmo modo, não precisa de ser remetido para a câmara municipal no final da obra, nem está sujeito a qualquer análise prévia, registo, validação ou termo de abertura ou encerramento por parte de entidades públicas.
Adaptação e Digitalização no Processo de Obra
Agora, o diretor de obra regista todos os factos relevantes sobre a execução de obras no LOE. Este documento deve ser conservado no local da sua realização para consulta pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização. Consequentemente, a ausência do LOE no local da obra é uma contraordenação punível. O modelo e requisitos do LOE são definidos por portaria, nomeadamente a Portaria n.º 1268/2008, de 6 de novembro, que também define o formato eletrónico.
Em suma, esta transição para o LOE e a sua natureza eletrónica refletem uma forte tendência governamental para a digitalização e simplificação dos processos burocráticos. O objetivo principal é consolidar a informação, reduzir redundâncias e tornar os dados mais acessíveis através de meios digitais. Esta mudança de um sistema fragmentado e em papel para um ecossistema digital integrado pretende, por conseguinte, reduzir a carga administrativa para promotores e municípios. Por fim, implica que todos os intervenientes no mercado imobiliário se adaptem a estes novos métodos de acesso e compreensão da informação consolidada.
Implicações Práticas para o Mercado Imobiliário Atual
Para os imóveis cuja construção, reconstrução, ampliação ou alteração foi iniciada após 5 de junho de 2017 (data de entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017), o Livro de Obra Eletrónico é o documento de referência para as suas características técnicas e funcionais.
A dispensa da apresentação da FTH e da licença de utilização na escritura, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, não diminui a importância destes documentos; apenas transfere a responsabilidade de verificação para o comprador, que deve continuar a exercer a sua diligência devida. O acesso à informação sobre o imóvel é agora mais consolidado e digitalizado, o que, em teoria, visa uma maior eficiência e transparência no mercado.
Ficha Técnica de Habitação vs. Livro de Obra Eletrónico: Um Comparativo
| Característica | Ficha Técnica de Habitação (FTH) | Livro de Obra Eletrónico (LOE) |
| Documento | Ficha Técnica de Habitação | Livro de Obra Eletrónico |
| Base Legal | Decreto-Lei n.º 68/2004 e Portaria n.º 817/2004 | Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017 (criação); Portaria n.º 1268/2008 (modelo); Decreto-Lei n.º 10/2024 (regime atualizado) |
| Objetivo Principal | Reforçar direitos do consumidor à informação e transparência na aquisição de imóveis. | Consolidar informações técnicas e funcionais da obra, incluindo dados da FTH e Certificado Energético, em formato digital para simplificação. |
| Conteúdo | Características técnicas e funcionais do imóvel à conclusão da obra (construtor, técnico, fundações, paredes, acessos, etc.). | Registo de factos da execução da obra, características da edificação, soluções construtivas, e informações da FTH/Certificado Energético. |
| Obrigatoriedade | Para imóveis construídos/reconstruídos/ampliados/alterados após 30/03/2004 e antes de 05/06/2017. | Para obras licenciadas/comunicadas após 05/06/2017. |
| Formato | Documento físico (original) e digital (cópias). | Exclusivamente eletrónico. |
| Estado Atual | Extinta para novas construções/obras; relevante para imóveis anteriores à extinção. | Em vigor; documento de referência para novas construções/obras. |
A Janela Temporal de Transição (2017-2024): FTH e Livro de Obra Eletrónico
A transição da Ficha Técnica de Habitação (FTH) para o Livro de Obra Eletrónico (LOE) gerou uma janela temporal de adaptação e clarificação, especialmente entre a publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017 (junho de 2017) e a plena regulamentação e simplificação trazida pelo Decreto-Lei n.º 10/2024 (janeiro de 2024) e Portaria n.º 71-C/2024 (fevereiro de 2024).
A Extinção da FTH para Novas Obras (a partir de 2017)
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2017, de 5 de junho, foi inequívoca ao proceder à criação do Livro de Obra Eletrónico e à extinção da Ficha Técnica de Habitação.
Isto significa que, para todas as obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração iniciadas após 5 de junho de 2017, a FTH deixou de ser um documento a ser emitido. O LOE passou a ser o documento de referência para estas novas intervenções.
Exigência Cumulativa Temporária” e a Realidade da Transição
A mesma Resolução n.º 76/2017 continha uma cláusula que gerou alguma ambiguidade: “Assegurar que a exigência de detenção cumulativa e simultânea de Ficha Técnica de Habitação e de Livro de Obra apenas vigora, a título temporário, até que seja aprovado o diploma que regulará o livro de obra eletrónico.”
Esta disposição não significava que a FTH continuava a ser emitida para novas obras. Pelo contrário, a FTH foi extinta para novas construções. A “exigência cumulativa” referia-se à necessidade de manter e considerar válidos ambos os documentos (FTH e o Livro de Obra tradicional) para os imóveis que já os possuíam (ou seja, imóveis construídos entre 2004 e 2017). O objetivo era garantir que não haveria um vazio de informação ou segurança jurídica enquanto o novo regime do LOE não estivesse totalmente operacional e regulamentado.
Durante este período (2017-2024):
- Para novas obras (pós-junho de 2017): A FTH não era emitida. O Livro de Obra (que já existia em formato físico e tinha uma versão eletrónica regulamentada pela Portaria n.º 1268/2008 desde 2008) era o documento principal para registar os factos da obra e as características do edifício. No entanto, a sua plena desmaterialização e a criação de um sistema centralizado de consulta eletrónica, conforme previsto na RCM 76/2017, ainda estavam em desenvolvimento.
- Para imóveis existentes (construídos entre 2004 e 2017): A FTH que já havia sido emitida para estes imóveis continuava a ser um documento válido e, na prática, continuava a ser exigida em diversas transações e processos, nomeadamente pelos bancos para a concessão de crédito habitação. A razão para esta exigência mantida era a sua função de garantia de conformidade e mitigação de riscos para as instituições financeiras e para a segurança do comprador.
A Clarificação e Simplificação de 2024
A “janela temporal” de incerteza e adaptação foi significativamente clarificada com a publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro (Simplex Urbanístico), e da Portaria n.º 71-C/2024, de 27 de fevereiro.
- O Decreto-Lei n.º 10/2024 dispensou a apresentação da FTH e da licença de utilização no ato da escritura pública. Esta medida visou simplificar os procedimentos, mas, como já referido, não eliminou a importância da sua existência e da sua consulta prévia pelo comprador.
- A Portaria n.º 71-C/2024 veio acomodar as alterações introduzidas pelo Simplex Urbanístico no que diz respeito ao Livro de Obra Eletrónico, definindo o seu modelo e requisitos de forma mais alinhada com a nova filosofia de desburocratização. O LOE deixou de ser um elemento instrutório para a câmara municipal, passando a ser um documento a ser conservado no local da obra para fiscalização.
Em suma, durante a janela temporal de 2017 a 2024, a FTH foi formalmente extinta para novas obras, mas a sua relevância e exigência prática (especialmente para imóveis já existentes e para efeitos de financiamento bancário) persistiram até que o regime do Livro de Obra Eletrónico fosse totalmente consolidado e as dispensas de apresentação em atos notariais fossem implementadas em 2024. O período foi de transição e de refinamento do novo sistema digital, garantindo que a proteção do consumidor e a transparência não fossem comprometidas.
Conclusão: Informação e Segurança na Aquisição de Imóveis
A Ficha Técnica de Habitação (FTH) representou um marco significativo na defesa dos direitos dos consumidores no mercado imobiliário português, ao introduzir um nível de transparência e detalhe sem precedentes sobre as características dos imóveis. Desde a sua criação em 2004, a FTH funcionou como um “bilhete de identidade” da habitação, fornecendo informações cruciais que permitiam aos compradores tomar decisões mais informadas e seguras. A sua obrigatoriedade e as responsabilidades associadas, partilhadas entre promotores e técnicos, criaram um mecanismo robusto de controlo de qualidade e responsabilização, com implicações legais e de mercado para a não conformidade.
A evolução legislativa, impulsionada pela busca por maior simplificação e eficiência, levou à extinção da FTH para novas construções e à sua substituição pelo Livro de Obra Eletrónico (LOE) a partir de 2017. Esta transição reflete uma tendência clara para a digitalização e a consolidação da informação, visando reduzir a burocracia e facilitar o acesso aos dados técnicos dos imóveis. Embora a apresentação da FTH e da licença de utilização na escritura tenha sido dispensada para simplificar o processo final, a importância destes documentos para a diligência devida do comprador permanece inalterada.
Para o consumidor, a mensagem é clara: a informação é a chave para uma aquisição imobiliária segura. Seja através da FTH para imóveis mais antigos ou do Livro de Obra Eletrónico para os mais recentes, a proatividade na procura e análise destes documentos é essencial. A legislação continuará a evoluir, mas o princípio subjacente de proteger o comprador através da transparência e do acesso a dados fiáveis permanecerá central no mercado imobiliário português.
Perguntas Frequentes (FAQ) sobre a Ficha Técnica de Habitação (FTH)
Para clarificar as dúvidas mais comuns sobre a Ficha Técnica de Habitação e a sua relação com o Livro de Obra Eletrónico, compilamos as seguintes perguntas e respostas:
O que é a Ficha Técnica de Habitação (FTH)?
A FTH é um documento descritivo das características técnicas e funcionais de um prédio urbano para habitação, elaborado no momento da conclusão das obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração. Foi criada para reforçar os direitos dos consumidores à informação e promover a transparência no mercado imobiliário.
A FTH ainda é obrigatória em Portugal?
A FTH foi extinta para novas construções e obras iniciadas após 5 de junho de 2017, sendo substituída pelo Livro de Obra Eletrónico (LOE). No entanto, para imóveis construídos ou significativamente alterados entre 30 de março de 2004 e 5 de junho de 2017, a FTH continua a ser um documento legalmente exigido e aplicável. É importante notar que, apesar da sua extinção formal em 2017 para novas obras, a sua efetiva dispensa e substituição plena no mercado só se consolidaram com as alterações legislativas de 2024 (Simplex Urbanístico), mantendo-se a sua exigência prática em muitos contextos durante essa janela temporal, até os dias de hoje os Bancos exigem e podem o documento FTH para efetivação do Crédito Bacário.
Quais imóveis estão isentos da FTH?
A FTH não é exigida para prédios edificados antes de 7 de agosto de 1951 (entrada em vigor do RGEU), ou para aqueles que, mesmo construídos após essa data, já tivessem obtido ou requerido a licença de utilização até 30 de março de 2004.
Quem é responsável pela elaboração da FTH?
A responsabilidade pela elaboração da FTH é do promotor imobiliário. A conformidade das informações com o que foi efetivamente executado na obra é responsabilidade solidária do promotor e do técnico responsável pela obra, sendo ambos obrigados a assinar o documento.
Posso comprar ou vender uma casa sem a FTH?
Para imóveis abrangidos pela obrigatoriedade da FTH (construídos entre 2004 e 2017), a sua ausência podia, historicamente, inviabilizar a celebração da escritura pública. Embora o Decreto-Lei n.º 10/2024 tenha dispensado a sua apresentação no ato da escritura, a FTH continua a ser um documento crucial para a segurança jurídica da transação e para a obtenção de financiamento bancário.
O que acontece se a FTH contiver informações incorretas?
A inclusão de informações incorretas ou falsas na FTH constitui uma contraordenação, sujeita a coimas que podem variar entre 1.740 euros e 44.890 euros, dependendo se o infrator é pessoa singular ou coletiva. Além disso, o promotor e o técnico responsável podem ser solidariamente responsabilizados pelos danos causados ao comprador.
Como posso obter uma segunda via da FTH?
Se a FTH original for perdida ou destruída, o proprietário pode solicitar uma segunda via à Câmara Municipal onde o documento foi depositado, mediante o pagamento de uma taxa. Alternativamente, pode contactar o promotor imobiliário original, pois ele tem a obrigação de conservar uma cópia por 10 anos.
O que é o Livro de Obra Eletrónico (LOE) e como se relaciona com a FTH?
O Livro de Obra Eletrónico (LOE) substituiu a FTH para obras iniciadas após 5 de junho de 2017. Este documento, portanto, consolida as informações que anteriormente se encontravam na FTH, no Livro de Obra tradicional e no Certificado Energético, com o objetivo de simplificar e digitalizar os processos. Além disso, o LOE é um registo digital dos factos da execução da obra e das características construtivas do edifício. Contudo, a sua regulamentação completa e a dispensa da FTH em atos notariais apenas se efetivaram com o Simplex Urbanístico em 2024.
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